quarta-feira, janeiro 09, 2008
Só um conto
A manhã quente de verão feria meus sentidos como um caldeirão fervente. O cheiro de tudo me vinha diferente, as cores, os sabores e toques: tudo me parecia incrivelmente molhado, ardente, ardido, cansado. Pensava apenas em voltar ao escritório. Ah! A doce e gelada promessa de um ar condicionado central.
Mas ali estava eu, na fila do banco, como era de se esperar no primeiro dia do mês. As contas a pagar acumularam-se depois de um maravilhoso feriado prolongado. Olho o boleto do cartão de crédito: ali, solidamente impresso no papel, a prova do estrago das férias. O cheque especial há muito curtia o sol em Marrakesh.
Cinco pessoas na minha frente: o boy e sua pasta abarrotada de papéis; a viúva de general que resolvera retirar mais que o limite do caixa eletrônico; a mãe solteira às voltas com a calculadora do celular, remexendo as contas na gigantesca bolsa; o mestre-de-obras que fora trocar o cheque do pagamento atrasado; e a nova professora do cursinho de línguas, receosa em depositar seu primeiro pagamento.
Eu só tinha olhos para o seu decote e pensamentos para as próximas férias.
Dois caixas vagarosos ali estavam, um olho na tela e outro no relógio. Faltavam quinze minutos para o meio-dia.
A professorinha parecia ter uns vinte e poucos anos; contava e recontava as preciosas notas, murmurando enquanto calculava o total. Depois parecia calcular o quanto lhe sobraria para a festa do fim de semana. Afinal, uma garota tem que se divertir.
Vestia uma blusa branca e, possivelmente, sutiãs com enchimento. Eu realmente não entendo por que as mulheres usam tal artifício: seios são seios - até a palavra soa bem. Eu nunca tive preconceitos quanto ao tamanho ou formato. A saia parecia ser um pouco roxa, ou vermelho escuro, ou qualquer que seja o nome da cor. Tinha pés pequenos e as unhas pintadas de vermelho, uma beleza.
Do meu ângulo de visão, sentado na fileira de trás, ela parecia emoldurada pela ampla janela do banco: madona e as persianas sob a luz de um sol impiedoso. Do lado de fora havia uma árvore, meio seca mas que parecia resistir à poluição do centro da cidade.
E ali, debaixo daquela árvore, vi uma senhora que parecia ser irmã de Matusalém.
Andava aos bocadinhos, não sei se por medo de cair ou se procurava algo no chão; os cabelos estavam desalinhados e - assombro dos assombros - usava um casaco de lã marrom, puído e torto sobre o corpo. Carregava uma sacola de feira parecia com a que minha avó tinha. Acredito que o conteúdo era, possivelmente, areia e tijolos, ou paralelepípedos; ou toda a riqueza de Atlândida, quem sabe. A velha abraçava a sacola como um náufrago.
Esticou o bracinho pequeno em direção ao galho mais próximo da árvore. Deve ter imaginado a maçã das Espérides pendurada ali - mas não tinha nada, percebi. Arrancou algumas folhas e guardou-as na tal sacola. Continuou a andar, e eu a perdi de vista.
Foi quando chegou a minha vez de ser atendido.
Saí do banco e segui direto para o escritório. Já sentia o vento do ar refrigerado na potência máxima secando o suor das minhas costas. Do outro lado da rua a professora corria para o ponto de ônibus.
Passei pela pequena lanchonete que ficava ao lado do banco, e lá estava a velha, apoiando-se no balcão tão mais alto. A mão direita tremia enquanto bebericava um suco de caju. Um pratinho de plástico oferecia à outra mão um minúsculo salgado - acho que era um croissant. Aos seus pés, a tal sacola de feira, a maior preciosidade da América do Sul.
Foi quando me lembrei que sabia o que ela guardava ali. Já estava na esquina, esperando o sinal fechar. Dei meia volta em direção à lanchonete enquanto procurava algumas moedinhas.
"Boa tarde", eu dei um meio sorriso. Ela pareceu se assustar um pouco: repousou o copo de suco no balcão e piscou muito os olhos.
"Boa tarde", sua voz fraca respondeu.
"A senhora vende balas, não é?", eu já lhe estendia as moedas.
"Vendo, sim".
"Quanto custa?"
"Um real, meu bem". Nossa, acho que desde o fim do meu casamento ninguém me chamava de meu bem. Pelo menos desta vez não foi com ironia.
"Aqui", eu coloquei as moedas no balcão, ao lado do filhote de croissant. Ela pôs um pacote de balas ao lado.
"Muito obrigada", ela sorriu de novo, dessa vez mostrando um pouco mais os dentes. Depois, voltou ao lanche.
"De nada, senhora". Peguei o pacote e segui em direção ao Himalaia no meu escritório.