A bronquite em meu peito não me deixa há uma semana e três dias, se bem me recordo. Os remédios me descem como borboletas: alojam-se em meu estômago e ali esvoaçam o pólen por toda a minha corrente sangüínea. Levados pelo mar de whisky que jorra da preciosa garrafa da adega de meu pai - ele está em viagem pela Itália; que nunca saiba disso - os comprimidos esfumaçam a verdade a minha frente.
Lembro-me do baile. Odeio bailes, e tudo aquilo que apetece a um baile: a decoração tão indecorosamente afrancesada; os quitutes tão doces ou tão salgados; as bebidas fracas, senão à mesa dos mui importantes - que sequer tocam suas tacas -; as jovens em seus vestidos apertados, implorando por um vento sereno que as leve o mais rápido ao casamento mais promissor.
Mas, pelos deuses, Mariana estava tão linda ontem, ao pé da escada do casarão dos Moura!...
A pele suavemente morena destacava-se de todas as outras, e lembrou-me do fim de semana em Paquetá. Corremos pela areia da praia como crianças de cinco anos; e quanto mais cansado eu ficava, mais Mariana sorria. Eram pérolas em seus lábios, e senti o suave perfume de rosas brancas que a envolvia.
Seu vestido não poderia lhe fazer mais justiça: tenros dezesseis anos deslizavam suavemente sobre toda ela, e Mariana toda brilhava, tal qual vagalume em noite de verão: delicados pés em marfim pisavam, e tão nítida era sua alegria que minha voz vez em quando falhava.
Concedeu-me a primeira dança. Oh! de certo não sabe, sequer desconfia quantas vezes desenhei aquele momento. Por todo o salão pairava algo como a suave aura dos anjos: era Mariana que por ali passara, e seu suave perfume ali permanecia. E de quando em quando perguntava-me: que achas do vestido? Estou bonita?
E eu, tolo e ingênuo, dizia-lhe a verdade sempre: tu estás linda, Mariana.
E lindamente, aquele anjo quebrou-me o coração. Pude ouvir a chuva caindo lá fora enquanto suas palavras torturavam-me: amo a outro, seu tolo; era isto que em verdade me diziam.
As últimas gotas de whisky entorpecem meu espírito. A chuva fina de ontem em tempestade se transforma; a janela me convida para o salto.
Deus! Como pôde um anjo ferir-me tão fundo a alma?